29/12/2012

Rabisco (sem correção, sem coração)

E se você chorou… Poderia ter sido no meu peito, não no seu travesseiro. No meu peito morno que bate devagar. Juro que esse sal todo não pesaria tanto se fosse aqui, comigo. Se a gente chorasse junto. E aí o mar seria feito por nós. E só você e eu, de mãos dadas, mergulharíamos nele. Queria o seu sal no meu travesseiro, ao invés dele aí e eu aqui. É difícil crer que a areia nos separa cada dia mais. Difícil.

09/12/2012

Sobre a cortina (enquanto tecido, esconderijo e saudade)


      Por algum tempo, incontável eu diria, peguei tudo e escondi atrás da cama. Peguei umas cartas, alguns rabiscos, inúmeros papéis com declarações que não mostro à ninguém (mas direcionadas sempre, sem sombra de dúvidas), poucos textos, rimas mínimas e armazenei ali. Como se a parte de trás da cabeceira da cama fosse um mural de você. Eu queria livrar da vista, da culpa e da saudade. Livrar o tal peso. Esconder por trás da madeira, dos panos, das pálpebras. Ninguém precisa ver, não é? Eu lembro cada linha que tracei. Lembro o peso do corte, como diria um teórico da comunicação. Porque cada linha é um corte no sentimento, no peito e no mundo. É o afundar na plenitude e ligá-la ao coração. Algo assim, ele diria. Algo assim, eu acredito.
     Isso foi no começo. É, bem no começo. Eu me vigiava pra não pensar e, como canta o barbudo do Los Hermanos, “não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer”. Eu não queria ver, mas lembrava constantemente. Ainda lembro. Com menos pesar, como uma história bonita, dessas de quando a gente é criança e aspira pra vida toda, sabe? Como uma fantasia! Uma fantasia que ainda penso, recordo todas as noites antes de apagar a luminária. Vejo quando as pálpebras se encostam. Coisa minha, coisa de escritor-fantasioso-louco. E lembrando a loucura, confesso que estou no caminho certo dela...
     Se não é loucura, se não é rabisco-cortado-na-alma, não sei o que é. Me sabotei de tal modo que até cheguei a crer que havia conseguido, acredita? Cheguei a crer! Não consegui, realmente. Tá tão difícil de admitir isso, personagem-da-margem. Tá difícil. Bom, depois desse começo e desse meio-perturbado, ainda tem os detalhes. Detalhes que eu nem chego a crer que vivo ainda. Tanto, tanto tempo. Imenso tempo que passa na fuga da mornidão... Na fuga que cesso quando me escondo atrás da cortina pra te ver passar todos os dias. É como se eu me escondesse de mim, até. Sento ali, de canto, bem no canto mesmo, fecho um dos olhos, encosto a testa na batente da janela e observo. Passos lentos, contados. Nada mudou no seu aspecto físico. Acho que a barba está um pouco maior... Fiz isso todos os dias, personagem-marginal. Todos. E sabe o que é pior? É o que nós temos no fundo. Fundo, lá no fundo, eu sabia o quão babaca era fazer isso. Minha ficha sempre cai, os 5 segundos de lucidez ao final do cigarro, que saio sorrateiro e me jogo na cama. Aí acendo a luminária. É fim de tarde, coisa assim. Sempre no mesmo horário, com os passos contados. Uma coisa de gente louca que se esconde em minúcias. Eu e ele, diria. Tenho noção do quão bobo isso soa, personagem. Até perdi o fio da meada... Só não perdi a linha. Hoje, justo hoje, resolvi relatar. Relatar pra ti, que senta ao meu ombro e vê as besteiras de rapaz-em-fuga que cometo e dá risada ao pé do meu ouvido. Relatar, pra mim, que não adianta muito, afinal. Depois de tempo, tanto tempo, continuo indo até a janela...
     Essa vida de ausentar-se. Falando em ausência, mal consigo acabar o livro que o rapaz da barba me indicou. Algumas vezes sento perto da janela, um tanto antes dele seguir o caminho, e fico lendo-o ali. Aí sinto o mar no peito, mar na garganta, mar nos olhos... E abismo. Uma coisa rabiscada assim. Cortada assim. Mas é isso, personagem-da-margem. É isso. Eu nem sei o que fazer exatamente, mas manterei o meu mural. Depois de tanto tempo, resolvi botar o pulso em prática. Resolvi colar mais alguns rabiscos-da-alma na cabeceira da cama e escondê-los por trás das pestanas.