18/08/2012

Deitado-meio-sem-fim


“Comprei um romance por causa de um romance. O primeiro, à véspera de desaparecer. O segundo, com caligrafia minúscula e escondida. (08/08)”

Foi pensando nisso que sorvi o café devagar, café já morno, café saudoso e continuei minha leitura. Ou pelo menos tentei. Minha atenção não estava ali, não mais. Havia de me lembrar a data da compra: oito de agosto de dois mil e doze. Oito. Oito é o número que ainda me faz servir café pra dois. Há seis meses, o oito, que deitado vira eterno, teve fim. Não teve muito tempo de deitar, penso. E o fim, que ocorreu há seis meses, ainda vive. Vive de forma escondida, pelos cantos, nas sombras, penso. Tentaram, tentamos, tentou, tentei escrevê-lo pequeno, escrevê-lo minúsculo como o cara do livro que queria minúsculo também. Minúsculo até desaparecer. Pelo visto, não deu certo. Não terminei o livro ainda, mas o café já. Terminei o café, fechei o livro e suspirei. Foi desse livro que você se retirou e viveu, apesar de não conseguir viver como gostaria: escondido. Ou no desaparecimento. Nas sombras. Não sei se ainda tenta, mas o minúsculo não serve pra ti. E no meu romance, o segundo, que veio devido ao primeiro, que você me indicou, escrevo a dedicatória. Sei que não é a sua letra apertada e pequena ali, sei que não são as suas palavras, mas rabisco coisas como se houvesse dito ao pé da minha página. Coisas versadas por você sem nem mesmo saber. Confesso que não tenho coragem de escrever na página do livro, na página-você, como também confesso deixar o oito meio inclinado, em sinal de um oito-torto-meio-sem-fim. Fiz a dedicatória. Não ficou boa, não ficou minúscula. Nem um pouco de ti. Pasavento, passa vento. Vento na cara, nos cabelos, Eduardo Galeano, Vila-Matas, café, café pra dois, verter devagar, fumar, tragar, derrubar café no caderno... Você está minúsculo, está tentando ainda, sinto. Está se escondendo nas minhas páginas. Derrubou café no meu caderno-você. Derrubou você aqui, ainda sem saber. Oito-quase-deitado. 6 meses. 


15/08/2012

FRAGMENTOS CALOROSOS (TALVEZ SUADOS) OU A AUSÊNCIA DE LINEARIDADE CARDÍACA



- Eu não aguento mais esse calor.
Eram 02:37 da madrugada e ele estava sentado no sofá, olhando a porta aberta como se pudesse ver o vento chegar. Mas ele não chegava nunca. Suas pernas estavam cruzadas e eu podia ver as gotículas de suor escorrendo lentas pelas dobras de seus joelhos arredondados, traçando aquelas coxas alvas, por onde a samba canção havia escorregado.
-Também não aguento, ta difícil demais assim.
Acendi um cigarro. Caminhei um pouco, enquanto tragava sem pressa, até me encostar ao braço do sofá. Sentei-me ali, observando-o enquanto pendia a cabeça no estofado do sofá, respirando devagar. Gotas de suor brotavam naquele peitoral convidativo.
Traguei outra vez. Ele é tão bonito. Tão suave. Inclinei-me um pouco à frente, alcançando meus lábios em sua clavícula. Beijei ali em um tempo particularmente nosso e segui com algumas mordidas leves por aquela maciez um tanto minha, até alcançar seu pescoço, com alguns sinais da barba por fazer.
-Por que você não me acendeu um cigarro?
Questionou um tanto rouco, adentrando os dedos nos meus cabelos suados. Levei minha mão livre ao encosto do sofá, de modo a ter apoio conforme me inclinava sobre ele um pouco mais. Tracei sua pele morna com algumas lambidas, alcançando seu maxilar entre meus dentes.
- Quer que eu acenda agora?
Sua mão livre subiu pelas minhas costelas, apertando os dedos entre alguns beliscões. Ergueu o rosto um pouco, até que suas bolitas pudessem mirar as minhas. Encostou sua boca avermelhada à minha, mordendo meu inferior algumas vezes até escaparem por seus dentes.
- Me dá um trago, vai.

#
Boca seca. Acordei com sede e suado. Engraçado isso, havia dias que não acontecia. Minha pele estava um pouco oleosa e não queria abrir os olhos, não naquela manhã.
- Hans, acorda! Acorda!
Alguma coisa gelada escorria na minha cara. Não queria pensar o quê poderia ser, só não queria abrir os olhos ainda. Os entreabri.Vi joelhos molhados, pêlos pregados nas pernas torneadas, uma toalha azul marinho, abri os olhos um pouco mais, um caminho ralo de pêlos, barriga branca e algumas marcas...
-Anda, Hans, que merda, a gente tá atrasado!
Descobri o que era a coisa gelada na minha cara. Seus cabelos pingavam enquanto tentava me acordar com uma delicadeza exímia. Era refrescante, afinal. Mas eu estava cansado. Meus olhos ardiam. Não conseguia piscar sem sentir aquela areia entre as minhas pestanas. Areia do sono.
Com algum pesar me sentei ali, na cama, pelado. Aquele calor me incomodava e eu não o entendia, até enxergar a janela fechada. “Foda-se a janela”.
Alcancei meus cigarros, acendi. Traguei fundo, traguei pra alma. Acordei com alguém e não havia ninguém ali. Maravilha, eu não estava louco. Minha cara ainda estava molhada. Acordei e não havia completado o meu ritual, lembrei. Sabia disso porque estava sedento, apesar de ter feito sexo a madrugada toda, praticamente. A madrugada toda. Há quanto não tinha seu corpo nu e tão meu? Já nem queria me lembrar disso.
Traguei outra vez.
Era cedo, mas estava atrasado (como alguém havia dito) e excitado novamente. Sedento.
Respirei fundo.
Uma mão roubou meu cigarro.
- Porra, anda! Anda, Hans.
Arqueei as sobrancelhas e nem o encarei. Levantei a contra gosto e caminhei à janela. Estava muito, muito quente, eu semi-ereto e ele lá, lindo, com gotas de água no peitoral e aquele jeans que ressaltava suas coxas. O jeans que eu arranquei noite passada.
Em pensar que eu quase cheguei a crer que não havia ninguém. Que eu estava ficando louco.
Respingos voaram na minha cara quando terminei de abrir a janela. Chovia.
Chovia forte.
Voltei a ele, enquanto o via abotoar o jeans de costas pra mim. O abracei por trás, com força. Mordi sua nuca gelada, seus ombros algumas vezes, enquanto desabotoava seu calça que mal havia fechado. Levei minha língua (sedenta) pelo seu pescoço, até alcançar a orelha. A chupei devagar. D e v a g a r e intensamente. Ele não me dava moral, mas eu insisti. Seu corpo arrepiado cedia pelos seus gestos negados. Afundei meus dedos pelo seu jeans entreaberto, apertando o volume da sua boxer entre a palma da minha mão e meus dedos. Ele tragava meu cigarro em uma pirraça única, até que sussurrei
- Tá chovendo. Eu faço o café e ficamos aqui.
Ele soltou a fumaça lentamente, tão lentamente que quase me irritou.
- Não.
Não sei o porquê, na verdade sei... Sabia daquela resposta. Esperava por ela. Tudo isso porque não o havia beijado logo quando me acordou. Vingativo, esse moleque.
- Não, vai tomar banho, vá logo que você cheira a sexo.
O soltei sem pensar em nada e saí. Era uma maldade tremenda fazer aquilo comigo, afinal, chovia. Chovia forte. Seu cheiro também estava impregnado em mim. Impregnado no meu corpo todo. E eu gostava daquilo. Adentrei o banheiro com alguma raiva, apesar da consciência dos compromissos para o dia todo. Deixei a porta aberta, eu havia de me vingar.
Deixei a porta aberta, abri o chuveiro. Fechei o Box. A água gelada escorria pelo meu corpo em um frescor maravilhoso, mas eu ainda estava sedento. Sedento de sexo e de vingança. Sabia que ele estava puto. Comecei a tocar uma sem pressa. Ele veio me apressar.
- Anda Han... Deixa eu entrar aí também?


08/08/2012

O início da noite (talvez) perdida.

Era noite.
Não lembro ao certo que horas marcavam, mas algo entre 23:00 e 00:00 e o sono ainda não havia chego. Resolvi assistir alguma coisa para a distração, mas não passava nada de interessante naquele horário. Parecia uma sina para sentir saudade. Não queria lembrar, naquela noite, não.
Afastei o corpo devagar, me lembro. Saí da cama um pouco irritado, o calor estava de matar.
"Bons tempos em que dormia pelado... acho que voltarei ao hábito".
Busquei os cigarros sobre a cabeceira e alcancei a janela. Gostava (e gosto) de morar no terceiro andar. Escolhi o lado certo, o lado que a lua se põe. Não havia sacada no quarto, mas eu não ligava. Nunca liguei. E não ligo. Gostava dali porque a janela era grande e me proporcionava um belo retrato do céu. Sempre me distraía por lá enquanto a tevê falava sozinha. Estava certo de que qualquer dia desses ela me deixaria.
Abri a janela, me encostei ao batente. Aquela altura era boa, sempre achei. Apoiei os cotovelos e trouxe o cigarro entre os lábios.
Acendi.
Acendi sem p r e s s a.
Traguei fundo.
Parecia que há horas não fumava, quando, na verdade, só fazia alguns minutos.
"Vento bom".
Batia uma brisa fresca que me arrepiava um pouco, matando o calor. Sentia os pingos de suor já gelados. Não queria lembrar. Não queria lembrar, mas aquele frescor ressoou em minha memória
"cobre esse peito, ficará doente assim".
Um sorriso involuntário e nostálgico escapou. Recordo que em noites como essa, ele acordaria ao notar minha ausência. Me chamaria baixo, quase mudo, um tanto manhoso.
Sou tão desatento.
Por fim, desistiria e levantaria devagar, arrastando-se até a janela, onde me surpreenderia com um beijo nas costas, silencioso. Pude até sentir seus braços em minha cintura e suas mãos macias e ágeis contra a minha barriga. Em grande parte das vezes, morderia a minha pele (já gelada) com alguma força, até que me virasse (e me encontrasse em seus braços).
Não havia como negar.
Me virava (sempre me rendia).
Ele pressionava então seu corpo ao meu, distribuindo longos beijos pelo meu peitoral, pescoço, bochechas. Era um ritual. Levava o cigarro aos seus lábios e ele tragava dev...
Um vulto na rua. Braços encolhidos contra o peito, passos lentos. Parecia ele - não, não deve ser.
Ele tragava devagar,  me encarando. Aqueles olhos hipnotizavam qualquer pessoa, quem dirá a mim. Sempre achei isso, também. Soltava a fumaça devagar e suas mãos hábeis já estavam dentro da minha samba canção.
Eu o encarava de volta. Dava um último trago e atirava a bituca pela janela, torcendo pra não acertar alguém. Minhas mãos desciam pelos seus ombros e costas, puxando-o mais perto. Engraçado como era um ritual, de fato. E eu gostava.
Todas as noites me recordo disso, ainda que não queira.
Ele apertava minha bunda com força, mordia meu queixo e dizia, sempre, algo como "quero dormir contigo", "quero seus beijos", "você está tão quentinho". Ele era doce. Meu pequeno doce. Então eu alcançava aqueles lábios mornos e muito meus e o beijava demoradamente e adentrava minhas mãos pela sua camiseta e o fazia arrepiar sempre (com os dedos gelados) e... Não quero lembrar.
Comecei a suar outra vez. Joguei a bituca fora.
O vento havia parado.
Campainha.
01:15 da madrugada.
Deve ser alguma ilusão da minha cabeça causada pelo calor.
Outra vez.
Campainha.
Me afastei da janela com passos lentos até a porta. Segurei a maçaneta - Quem é? - Eu não queria pensar que poderia... - Está frio, abra. Você deve estar tão quentinho.