Era noite.
Não lembro ao certo que horas marcavam, mas algo entre 23:00 e 00:00 e o sono ainda não havia chego. Resolvi assistir alguma coisa para a distração, mas não passava nada de interessante naquele horário. Parecia uma sina para sentir saudade. Não queria lembrar, naquela noite, não.
Afastei o corpo devagar, me lembro. Saí da cama um pouco irritado, o calor estava de matar.
"Bons tempos em que dormia pelado... acho que voltarei ao hábito".
Busquei os cigarros sobre a cabeceira e alcancei a janela. Gostava (e gosto) de morar no terceiro andar. Escolhi o lado certo, o lado que a lua se põe. Não havia sacada no quarto, mas eu não ligava. Nunca liguei. E não ligo. Gostava dali porque a janela era grande e me proporcionava um belo retrato do céu. Sempre me distraía por lá enquanto a tevê falava sozinha. Estava certo de que qualquer dia desses ela me deixaria.
Abri a janela, me encostei ao batente. Aquela altura era boa, sempre achei. Apoiei os cotovelos e trouxe o cigarro entre os lábios.
Acendi.
Acendi sem p r e s s a.
Traguei fundo.
Parecia que há horas não fumava, quando, na verdade, só fazia alguns minutos.
"Vento bom".
Batia uma brisa fresca que me arrepiava um pouco, matando o calor. Sentia os pingos de suor já gelados. Não queria lembrar. Não queria lembrar, mas aquele frescor ressoou em minha memória
"cobre esse peito, ficará doente assim".
Um sorriso involuntário e nostálgico escapou. Recordo que em noites como essa, ele acordaria ao notar minha ausência. Me chamaria baixo, quase mudo, um tanto manhoso.
Sou tão desatento.
Por fim, desistiria e levantaria devagar, arrastando-se até a janela, onde me surpreenderia com um beijo nas costas, silencioso. Pude até sentir seus braços em minha cintura e suas mãos macias e ágeis contra a minha barriga. Em grande parte das vezes, morderia a minha pele (já gelada) com alguma força, até que me virasse (e me encontrasse em seus braços).
Não havia como negar.
Me virava (sempre me rendia).
Ele pressionava então seu corpo ao meu, distribuindo longos beijos pelo meu peitoral, pescoço, bochechas. Era um ritual. Levava o cigarro aos seus lábios e ele tragava dev...
Um vulto na rua. Braços encolhidos contra o peito, passos lentos. Parecia ele - não, não deve ser.
Ele tragava devagar, me encarando. Aqueles olhos hipnotizavam qualquer pessoa, quem dirá a mim. Sempre achei isso, também. Soltava a fumaça devagar e suas mãos hábeis já estavam dentro da minha samba canção.
Eu o encarava de volta. Dava um último trago e atirava a bituca pela janela, torcendo pra não acertar alguém. Minhas mãos desciam pelos seus ombros e costas, puxando-o mais perto. Engraçado como era um ritual, de fato. E eu gostava.
Todas as noites me recordo disso, ainda que não queira.
Ele apertava minha bunda com força, mordia meu queixo e dizia, sempre, algo como "quero dormir contigo", "quero seus beijos", "você está tão quentinho". Ele era doce. Meu pequeno doce. Então eu alcançava aqueles lábios mornos e muito meus e o beijava demoradamente e adentrava minhas mãos pela sua camiseta e o fazia arrepiar sempre (com os dedos gelados) e... Não quero lembrar.
Comecei a suar outra vez. Joguei a bituca fora.
O vento havia parado.
Campainha.
01:15 da madrugada.
Deve ser alguma ilusão da minha cabeça causada pelo calor.
Outra vez.
Campainha.
Me afastei da janela com passos lentos até a porta. Segurei a maçaneta - Quem é? - Eu não queria pensar que poderia... - Está frio, abra. Você deve estar tão quentinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário