Ele era doce como o café que eu não havia adoçado a pouco,
em meus lábios sedentos por cafeína, por contraditório que isso possa parecer.
Doce e quente. Me aquecia dos lábios aos pés. Do primeiro toque à minha boca,
vertia pela garganta e dava um tempo em meu estômago. Percorria esse caminho
lento e denso. Talvez, se não estivesse lá, olhando aquele lago que havia
criado para definir as sensações, acabaria supondo que era um movimento faminto
no âmago. Gostaria de crer que era apenas fome, fome de comida. Mas não era
possível. Ele me preenchia devagar, me aquecia e me deixava faminto. Faminto
por tê-lo, consumi-lo, mantê-lo dentro, na minha mornidão tão comum. E me fazia
contorcer. Por dentro, por fora, contorcer. E enquanto estava lá, olhando
aquele lago quieto que havia estabelecido para dividir as sensações, acabei
saindo do meu padrão de dias comuns. Foi ele vertido em mim. Eu sabia. Não
queria acreditar, mas sabia. Sabia também que ele, após me acalentar e
convencer silenciosamente, arrastou-me pelos pés para o lago. Eu não podia, não
era o meu estabelecido. Não podia. Ele estava me arrastando pra dentro de mim.
Dentro do que eu evito. Gosto da minha margem, da minha divisão e de apenas
observar o meu lago calmo, pacato. Havia uma placa de “proibido mergulhar”. Era
proibido, eu repetia mentalmente. Sempre repeti. Vez ou outra, em dias de
cansaço e tédio, jogava uma pedra no lago pra ver se havia reação. Ondulava,
ondulava, ondulava, cessava. Temporário, 1, 2 dias de êxtase. Era o suficiente,
eu costumava pensar. Estou confuso com isso tudo. Ele me arrastou pro lago.
Conseguiu. Eu me sentia (e sinto tão quente), que precisava amornar aquela água
aparentemente fria. Céus, ele me deixou crer que poderia amornar o meu lago. Ou
melhor, ele fez isso. E me fez mergulhar. Resisti, enxergo. Com algum receio,
confesso temer. Havia a placa, entende? Era proibido. Primeiro molhei os pés.
Era tentador continuar, me lembro. É tentador nadar mais por aqui, mas só
depois de tê-lo morno. Então adentrei os dois pés. Aí o receio: choque térmico
ou ele havia me deixado? Senti os pés esfriarem. Eu deveria aquecer o lago, não
ser esfriado por ele. E o meu calor estava fugindo? Esfriando? Hesitei. Fiquei
ali, com os pés. Não costumo quebrar as barreiras que estabeleço. Foda-se, também,
gritei pro nada. Gritei pra lua. Ela sempre me olhava de longe. Acho que acabou
rindo. Foda-se também, é meu lago.
E mergulhei.
(Sobre as ondas que persistem no lago criado há mais de ano)
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