Abriu os olhos e não enxergou nada.
Respirou fundo - infundindo sem intenção aquela mistura de
nicotina, álcool, insônia, umidade e frio -, piscou 1, 2, 3 vezes e buscou as
horas. A explicação do breu era óbvia: o relógio mal havia batido cinco da
manhã. Sentou-se naquilo que ousava chamar de cama (que poderia se considerar
mais um emaranhado de cobertas e papéis) e pensou na causa da ausência da luz
dos postes. Aquela luz que sempre espreitava pelo vão das cortinas e lhe fazia
companhia nas noites em claro.
- Será que as cinco elas se apagavam
automaticamente?
Não importa.
Não agora que já acordou sozinho. Solidão física e
psicológica. Não que fosse algo constante, entretanto havia a necessidade, por
vezes, de estar só, voltar ao apartamento, apreciar a ausência do sono pela
falta do outro. Falta escolhida, quase-planos-tecidos.
- Passar algum frio é bom, por vezes.
Abandonou as preocupações que
sempre o tomam ao ceder a consciência e fugiu dos amontoados de pseudo lisura,
mais inteirado do insípido sentimento que rondava suas cobertas, do que das
horas exatas. Se arrastou à cozinha, não por preguiça, mas por apreciação do
chão gélido e os assovios do vento pelas frestas das janelas fechadas, até
alcançar a chaleira em busca dos vícios matinais. Encaminhou o café e buscou o
cigarro. Cedeu ao vento e seus assovios. O queria assoviando ao pé do ouvido e
a janela era sempre o seu local de estar para. Sem pressa, se apoiou ali,
tragou 1, 2, 3 vezes e, como todas as manhãs, no terceiro trago era tomado de
arrepio assoviado.
- Já não basta as frestas?
Atentou-se ao que tocava na rua, era
algo melancólico como as manhãs cinzas que preferia. Talvez Gerry Muligan... Ou
Chet Baker. Sempre uma dúvida. Algum bar ali por perto deveria estar encerrando
os serviços, expulsando os bêbados ao erguer as cadeiras. Tamborilava os dedos
sem ritmo algum e não conseguia deixar de pensar nas mudanças. O terceiro andar
sempre ali, como se o aguardasse com calmaria e um falso aconchego. E ele
sempre aparecia. Era Chet Baker, definitivamente. Sempre aparecia pra sorver o
café quente, arrepiar diante da janela e pensar, fingir pensar, devanear,
esperar algo, alguém, um gesto, uma surpresa. Talvez não esperasse, de
fato.
- Só algum espaço, uma mobilidade maior...
Não queria sufocar ninguém, ele
dizia. Abandonar, muito menos. Mas gostava assim, como se a saudade caminhasse
a passos lentos pelos seu peito já frio.
Não bastavam as cobertas em dias
assim.
E ainda nisso, permeavam-lhe as
ideias de mudança. Quando? Quanto? De que modo elas nos preencheram e agora
estamos aqui, iguais e indiferentes ou diferentes e iguais ou cheios demais ou
vazios ou esvaziando aos poucos? E esse silêncio, veio com elas, veio comigo,
contigo, com esses excessos? Excessos de quê, afinal? De você, de mim, do meio,
da gente?
O cigarro já havia acabado há
tempos e as cinzas, essas livres e voadoras cinzas, deixaram seus resquícios no
pulso do tal rapaz. De devaneio em devaneio, o lapso de consciência veio com a
chaleira assoviando. Assovio morno, dessa vez. Assovio que esquenta de dentro
pra fora, apesar das condições temporais. Assovio que apressa a saudade, ele
costumava acreditar.