15/07/2013

Madrugada a fora - despertando devaneios.

            Abriu os olhos e não enxergou nada.
Respirou fundo - infundindo sem intenção aquela mistura de nicotina, álcool, insônia, umidade e frio -, piscou 1, 2, 3 vezes e buscou as horas. A explicação do breu era óbvia: o relógio mal havia batido cinco da manhã. Sentou-se naquilo que ousava chamar de cama (que poderia se considerar mais um emaranhado de cobertas e papéis) e pensou na causa da ausência da luz dos postes. Aquela luz que sempre espreitava pelo vão das cortinas e lhe fazia companhia nas noites em claro. 
 - Será que as cinco elas se apagavam automaticamente? 
Não importa.
Não agora que já acordou sozinho. Solidão física e psicológica. Não que fosse algo constante, entretanto havia a necessidade, por vezes, de estar só, voltar ao apartamento, apreciar a ausência do sono pela falta do outro. Falta escolhida, quase-planos-tecidos. 
- Passar algum frio é bom, por vezes. 
Abandonou as preocupações que sempre o tomam ao ceder a consciência e fugiu dos amontoados de pseudo lisura, mais inteirado do insípido sentimento que rondava suas cobertas, do que das horas exatas. Se arrastou à cozinha, não por preguiça, mas por apreciação do chão gélido e os assovios do vento pelas frestas das janelas fechadas, até alcançar a chaleira em busca dos vícios matinais. Encaminhou o café e buscou o cigarro. Cedeu ao vento e seus assovios. O queria assoviando ao pé do ouvido e a janela era sempre o seu local de estar para. Sem pressa, se apoiou ali, tragou 1, 2, 3 vezes e, como todas as manhãs, no terceiro trago era tomado de arrepio assoviado.
- Já não basta as frestas?
            Atentou-se ao que tocava na rua, era algo melancólico como as manhãs cinzas que preferia. Talvez Gerry Muligan... Ou Chet Baker. Sempre uma dúvida. Algum bar ali por perto deveria estar encerrando os serviços, expulsando os bêbados ao erguer as cadeiras. Tamborilava os dedos sem ritmo algum e não conseguia deixar de pensar nas mudanças. O terceiro andar sempre ali, como se o aguardasse com calmaria e um falso aconchego. E ele sempre aparecia. Era Chet Baker, definitivamente. Sempre aparecia pra sorver o café quente, arrepiar diante da janela e pensar, fingir pensar, devanear, esperar algo, alguém, um gesto, uma surpresa. Talvez não esperasse, de fato. 
- Só algum espaço, uma mobilidade maior...
            Não queria sufocar ninguém, ele dizia. Abandonar, muito menos. Mas gostava assim, como se a saudade caminhasse a passos lentos pelos seu peito já frio.
Não bastavam as cobertas em dias assim. 
E ainda nisso, permeavam-lhe as ideias de mudança. Quando? Quanto? De que modo elas nos preencheram e agora estamos aqui, iguais e indiferentes ou diferentes e iguais ou cheios demais ou vazios ou esvaziando aos poucos? E esse silêncio, veio com elas, veio comigo, contigo, com esses excessos? Excessos de quê, afinal? De você, de mim, do meio, da gente? 
O cigarro já havia acabado há tempos e as cinzas, essas livres e voadoras cinzas, deixaram seus resquícios no pulso do tal rapaz. De devaneio em devaneio, o lapso de consciência veio com a chaleira assoviando. Assovio morno, dessa vez. Assovio que esquenta de dentro pra fora, apesar das condições temporais. Assovio que apressa a saudade, ele costumava acreditar.




13/06/2013

Reminiscências (quase reticências) do âmago.

     Certa vez, há algum tempo, recordo ter escutado um cara qualquer, em uma mesa de bar, recitar algo que continha uns versos tão verdadeiros quanto encher os pulmões. 
      Encher os pulmões após uma longa escalada em busca de. 
  Os versos do alemão (hoje reconheço seus poemas em qualquer lugar) diziam, superficialmente, algo como precisar e se completar. Apesar de beberrão, entendi (gosto de acreditar que sim) o que o tal poeta queria dizer.  Não sei se o cara da mesa ao lado entendeu, já que ele derivava além do palpável, do imaginável. Apesar de beberrão, o poeta nada fazia se não estivesse enamorado. Não um amor específico, dado, entregue assim, como se fosse um pacote, não. Coisa de escritor mesmo, coisa de amor visceral, sem nome, sem definição...
      Foi pensando nessa coisa de amor e pertencer e completar e inspirar que parei aqui. Quer dizer, após esse "memorandum", parei aqui. Ou melhor, me movi. Ou melhor ainda: me dei à inspirações (aspirações e até suspiros) precoces, impulsivas. Infusões de antes do nascer do sol. É engraçado como a madrugada nos preenche de lembranças. Depois de recordar o pertencer, de constatar que eu pertencia, pertenço, inspiro, suspiro, incuto, agrego, me sinto completo e adoro tudo isso, adoro mesmo, cultuo, amo extremosamente (como diz o Aurélio), a consciência, ainda que ínfima dessa condição de apaixonado, me faz derramar o peito antes do sol raiar. É condição de enamorado, ouso dizer. Não só de enamorar-se de alguém, mas algo como inspirar o amor. Não só aquilo palpável, não. Vai um tanto além. Um tanto que eu não descobri a quantidade. Além de poetas e versos vertidos em mesa de bar, de madrugada insone (e devido a isso muito mais nostálgica, morna, preenchida de amor recolhido) e de escritas aleatórias pra, talvez, tentar contar o que se passa peito adentro. 
    Coisa de Cariad, o vento sopra. Vento desses frios que não sabem se ventam, se arrepiam, se contam coisas pra gente ou se só assoviam pra relembrar o coração. Ou pra adicionar memórias. Ou pra nos fazer correr, ainda que mentalmente, para os braços, pernas, ombros, cotovelos, joelhos, coxas de quem nos faz morno. Ou quem tem o calor dentro do peito. 
      Desconfio que o vento sopra saudade. Não aquela saudade amargurada, dolorosa. Ele sopra, junto com as histórias, junto com "as coisas que mais amo", junto com os "apesar de", aquela saudade quentinha de quem volta pra casa e se afoga nos abraços, nos olhos. 
        E... Sabe de uma coisa?
        Agora já é manhã. E venta. 

18/03/2013

Harmoniosos suspiros (doces-roubados)

Costumava pensar que o silêncio dizia coisas demais, o rapaz. O silêncio era a porta da imaginação, a fresta-iluminada dos devaneios. Um convite à loucura, até. Costumava, também, crer que perder o foco era o passo inicial pra se ter uns sorrisos roubados, tanto como ladrão, quanto como vítima. Particularmente, os olhos infantis (que se desprendiam do mundo) pareciam preferir os assaltos... Estou quase certo. Do tipo que assalta o outro, a outra, alguns, outrens, pra uns sorrisos largos. Aqueles sorrisos com cara de primavera, de flor que desabrocha, com cheiro de quindim comprado ao final da tarde. Sorriso com cara de pôr-do-sol morno. É como se ele roubasse sorrisos só pra o aconchego. Não que ele precisasse, evidentemente. Nem que ele soubesse, isso era claro. Pelo que eu entendi, mal sabia ele que envolvia seus iguais numa calmaria, numa mornidão indescritível. Rolaram alguns buxixos, poucos, sobre esse tal rapaz dos olhos doces. Alguns diziam que ele agia “como quem não quer nada”. Outros, em sussurros sorrateiros, daqueles que parecem fugir pra não serem pegos, costumavam espalhar que ele tinha uma doçura guardada no peito. Mal sabia o rapaz que ele antecipava o calor de setembro. Era desatenção demais. Excesso de fresta-iluminada brilhando em frente aos olhos infantis, era evidente. É evidente. Parece que muita gente anda mergulhando no azul-fantasia que esse rapaz espalha por aí. Espalha pelo vento, acho. Ou ele é o próprio vento... Ou será brisa? Não sei, talvez os dois. Passarei a crer no silêncio. Talvez ele me certifique desse sopro ao pé do ouvido que arranca suspiros e permite as idas, as fantasias, os delírios de olhos abertos. Coisa de gente doce, eu acho. Coisa de gente silenciosa. Coisa de quem vem meio-sopro, meio-tornado, meio-suspiro. Coisa de quem vem pela metade e preenche a gente.


17/03/2013

1ª parte - Dos temores da falta (ou os estilhaços perdidos)


Era uma necessidade primária, o sono. Eu precisava. Eu preciso. A existência de um conflito emocional me deixa tão atordoado que acabo perdendo o que sempre fiz muito bem: fechar os olhos pra sonhar. Não é só uma questão de descanso, veja bem... É uma questão de sonhos, delírios, devaneios. Você esteve aqui a semana toda, eu vi. Eu sei. Eu até te toquei, acariciei, abracei, dormi junto, roubei uns beijos, tratei mal, virei a cara, pedi desculpas... Mas não consigo pensar nisso sem um pesar no coração.
                Recordo-me que há uns 2 anos atrás, um cara aí, poeta-perdido pela cidade, escreveu 1 verso assim: o medo, dome-o. E eu tenho estado com tanto medo que o pranto desesperador já abandonado há muito, se arrasta devagar por entre as minhas pálpebras. Perceba isso: abandonado. Passou-se muito tempo desde que eu estive assim. Mentira, não foi muito tempo... Não no relógio. Porém, tenho a necessidade de confessar que, desde que você apareceu, meu coração tem batido em outro ritmo. É quase como se tivesse adiantado a primavera. E é isso que me desespera. Me desespera essa distância, sabe? Eu sei que você vê. Não posso estar ficando louco assim, tão cedo. Não posso ter perdido a lucidez assim, tão fácil. Você vê, não vê? E eu não queria te contar nada disso, você deve saber. Também não quero que entenda como uma obrigação, odeio soar pedante... Mas engasguei com os meus sentimentos em relação a ti. Não tenho dúvida quanto a eles só... Só dúvidas sobre onde devo depositá-los. Onde? Me diz. Me diz! Eu preciso de uma resposta dessas rápidas... Não, não precisa ser rápida. Só não quero ficar sem você muito mais. Vê, eu perdi o sono. Estou há mais de quatro horas no espaço imenso dessa cama esperando por você. Esperando pra fechar os olhos e te ver aí, dizendo que eu te irrito, que não entende o que eu falo e que sou obsessivo.
Algumas pessoas dizem que recordar é viver e que quem canta os males espanta... Só consigo cantarolar o maldito trecho da música em que se você for embora eu vou virar mendigo, eu não sirvo pra nada, não vou ser seu amigo... Fica comigo... Não está sendo fácil esse processo, esses nós. E um cara da comunicação, um outro que não recordo o nome, como sempre, costumava dizer que todos somos pontos de encontro, nós. Nó dado, nós-eu-e-você. E a gente se amarra de um jeito único, como todas as outras pessoas que se permitem amarrar, enlaçar, laçar. Então, como não durmo, não te tenho e não alivio o peso, só consigo pensar no permitir. Eu demorei tanto pra te permitir aqui, dentro de mim. Fico pensando se isso chega a ser doentio ou sou só eu tentando entender o que você é, exatamente, em cada pulsar do meu peito. O que você é quando adentrou meus poros e se alojou em vários cantos do meu eu. O que você está fazendo comigo? Isso me assusta. E eu tento ser forte pra ti, mas não sou bom em ser forte. É o medo. Aquela coisa de domar... Não sei se eu consigo sozinho.
                Meu bem, entenda que eu não estou te exigindo nada pra poder descansar em paz. É que meu peito tem estado tão pesado que eu já nem sei mais o quê fazer. Talvez eu descubra, com o passar dos dias, onde deva depositar esses nós entalados na garganta, exatamente. São tantas declarações clichês que você, no mínimo, daria risada. Sabe, eu só não quero apostar. Eu comprei as fichas, comprei todas que podia. Almejei mais delas, desde que você veio sorrir perto de mim. Só não sei onde apostar, agora. Ando meio desnorteado, meio perdido, meio sem sono. Deve ser por isso, afinal. Deve ser essa falta de sonho, de delírio, de riso-roubado que me desnorteia. Que me deixa sem chão. Deve ser essa falta de você mais perto, não sei... Na verdade, sei. Sei que é isso, sei que é falta da sua risada boba e das suas evasivas constantes.
                Talvez eu deva tentar voltar ao sono. Há uma possibilidade ínfima de que você venha. Eu só quero me sentar pra te olhar um pouco melhor, um pouco mais perto. Só quero fechar os olhos pra te ver aqui, ainda que não meu. Aqui. 

03/03/2013

Anseios.


"Iniciei o caminho Walseriano há muito, muito tempo, constatei. Desde os remotos 13 anos ocupando a sala de espera psiquiátrica. Só me toquei do fato nesse sábado, 7 anos depois, ao notar que me encontro no estofado verde musgo da sala-pacata-de-sempre. Não que já esteja com o pé no manicômio, mas, pelo visto, meu alter-ego adora rondá-lo. Adora sondar o abismo. Coincidência ou não, trouxe comigo para uma releitura o tal Jakob.
Esse estofado verde causa uma ausência de estranheza tremenda. É como se já estivesse em casa. Acho que até mais confortável. Mais eu.
Nesse meu conforto físico, reencontro a árvore que chamo de minha. Não pela posse, pelo pronome, mas pela lembrança. A primavera que nomeei. Olho pra ela e vejo o riso-contido-do-mar em cada pétala. O riso que ronda as minhas primaveras.
O cômico de tudo isso é que sempre, sempre que retorno ao estofado verde, ela está florida. Vez ou outra me ignora, a tal. Porém sempre vejo no rosa primavera o sorriso-contido-oceânico. 
Penso no riso dos olhos do Jakob, no sorriso da primavera e nos nossos encontros casuais (e ansiados, ao menos por mim) nos sofás de tom musgo-variado (manchado de dor, lágrima, pânico, de riso e de folha seca) que beiram a loucura. E gosto. E espero por mais. E sinto falta aos sábados ou quintas nesse antro saudoso e memorável do farol. 
Nos outros dias, finjo nem ocupar essa vaga à loucura. Finjo até me deitar e fecho os olhos pra encontrar a primavera, o mar. 
Alguém anunciou meu nome; hora de desaparecer."
(29/12/12)

Das partes infindáveis; migalhas de mim.

(00/00/00)
Esse sol contra a cortina da sala me faz sentir o perfume dos dias em que você desenhava flores tortas nas contra-capas dos meus livros escondidos.
#
(01/08/12)
Acordei com a poeira da lembrança e os móveis rangendo na memória. Talvez seja por isso que as minhas narinas (olhos não, nunca) não param de gotejar.
#
(24/07/12)
Sabe quando você para e sente o seu coração morno? Então.
No seu farol tem um barco. Caso resolva, pegue-o e vá até o porto.
O porto não sai do lugar.
Estará lá com uma coberta e uma garrafa de amor quente pra ti.
#
(29/08/12)
Escrever em papelotes
Coisas grandes e adjetivos
pobres
acanhados como a alma
adendos singelos
suspiros curtos
risos tímidos
como a pobre alma
que vive
(talvez).
#
(09/02/2013)
Estou há mais de hora pensando no que te escrever. Prometi que o faria todos os dias, mas tenho procrastinado os sentimentos. Tudo anda tão torto quanto os meus sorrisos sem você.
- Choveu o dia todo.
- Você já disse isso.
- Disse? Desculpa, não lembro.
Tirei os óculos enquanto recordava o nosso diálogo de hoje. Queria saber em que dia te perdi. A gente troca umas palavras cada vez menores, enquanto mentalmente cantarolo "fica comigo... se você for embora eu vou virar mendigo, eu não sirvo pra nada..."
Larguei os óculos e resolvi fumar o marlboro como todo mundo, exceto pela rua. Tô na janela, sabe? E ela tá tão grande sem você.
Deixei um chá pronto e a cama arrumada pra ti, como sempre.
#
(19/02/2013)
É engraçado como a espera pode entrelaçar as pessoas. A solidão matinal é preenchida por outros corpos cheios de vazio e cansaço existencial. O que deveria ser "só" é recheado de outros "sós" a espera de um único momento: a chegada do ônibus. Até o cachorro de 3 patas que, em todas as manhãs, manca diante do monte de corpos ocos parece mais contente.
Ele manca numa pressa de "ser" que, por vezes, gostaria de estar no lugar dele.

Sobre o lago (ou mergulhos involuntários)


Ele era doce como o café que eu não havia adoçado a pouco, em meus lábios sedentos por cafeína, por contraditório que isso possa parecer. Doce e quente. Me aquecia dos lábios aos pés. Do primeiro toque à minha boca, vertia pela garganta e dava um tempo em meu estômago. Percorria esse caminho lento e denso. Talvez, se não estivesse lá, olhando aquele lago que havia criado para definir as sensações, acabaria supondo que era um movimento faminto no âmago. Gostaria de crer que era apenas fome, fome de comida. Mas não era possível. Ele me preenchia devagar, me aquecia e me deixava faminto. Faminto por tê-lo, consumi-lo, mantê-lo dentro, na minha mornidão tão comum. E me fazia contorcer. Por dentro, por fora, contorcer. E enquanto estava lá, olhando aquele lago quieto que havia estabelecido para dividir as sensações, acabei saindo do meu padrão de dias comuns. Foi ele vertido em mim. Eu sabia. Não queria acreditar, mas sabia. Sabia também que ele, após me acalentar e convencer silenciosamente, arrastou-me pelos pés para o lago. Eu não podia, não era o meu estabelecido. Não podia. Ele estava me arrastando pra dentro de mim. Dentro do que eu evito. Gosto da minha margem, da minha divisão e de apenas observar o meu lago calmo, pacato. Havia uma placa de “proibido mergulhar”. Era proibido, eu repetia mentalmente. Sempre repeti. Vez ou outra, em dias de cansaço e tédio, jogava uma pedra no lago pra ver se havia reação. Ondulava, ondulava, ondulava, cessava. Temporário, 1, 2 dias de êxtase. Era o suficiente, eu costumava pensar. Estou confuso com isso tudo. Ele me arrastou pro lago. Conseguiu. Eu me sentia (e sinto tão quente), que precisava amornar aquela água aparentemente fria. Céus, ele me deixou crer que poderia amornar o meu lago. Ou melhor, ele fez isso. E me fez mergulhar. Resisti, enxergo. Com algum receio, confesso temer. Havia a placa, entende? Era proibido. Primeiro molhei os pés. Era tentador continuar, me lembro. É tentador nadar mais por aqui, mas só depois de tê-lo morno. Então adentrei os dois pés. Aí o receio: choque térmico ou ele havia me deixado? Senti os pés esfriarem. Eu deveria aquecer o lago, não ser esfriado por ele. E o meu calor estava fugindo? Esfriando? Hesitei. Fiquei ali, com os pés. Não costumo quebrar as barreiras que estabeleço. Foda-se, também, gritei pro nada. Gritei pra lua. Ela sempre me olhava de longe. Acho que acabou rindo. Foda-se também, é meu lago.
E mergulhei. 
(Sobre as ondas que persistem no lago criado há mais de ano)

29/12/2012

Rabisco (sem correção, sem coração)

E se você chorou… Poderia ter sido no meu peito, não no seu travesseiro. No meu peito morno que bate devagar. Juro que esse sal todo não pesaria tanto se fosse aqui, comigo. Se a gente chorasse junto. E aí o mar seria feito por nós. E só você e eu, de mãos dadas, mergulharíamos nele. Queria o seu sal no meu travesseiro, ao invés dele aí e eu aqui. É difícil crer que a areia nos separa cada dia mais. Difícil.

09/12/2012

Sobre a cortina (enquanto tecido, esconderijo e saudade)


      Por algum tempo, incontável eu diria, peguei tudo e escondi atrás da cama. Peguei umas cartas, alguns rabiscos, inúmeros papéis com declarações que não mostro à ninguém (mas direcionadas sempre, sem sombra de dúvidas), poucos textos, rimas mínimas e armazenei ali. Como se a parte de trás da cabeceira da cama fosse um mural de você. Eu queria livrar da vista, da culpa e da saudade. Livrar o tal peso. Esconder por trás da madeira, dos panos, das pálpebras. Ninguém precisa ver, não é? Eu lembro cada linha que tracei. Lembro o peso do corte, como diria um teórico da comunicação. Porque cada linha é um corte no sentimento, no peito e no mundo. É o afundar na plenitude e ligá-la ao coração. Algo assim, ele diria. Algo assim, eu acredito.
     Isso foi no começo. É, bem no começo. Eu me vigiava pra não pensar e, como canta o barbudo do Los Hermanos, “não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer”. Eu não queria ver, mas lembrava constantemente. Ainda lembro. Com menos pesar, como uma história bonita, dessas de quando a gente é criança e aspira pra vida toda, sabe? Como uma fantasia! Uma fantasia que ainda penso, recordo todas as noites antes de apagar a luminária. Vejo quando as pálpebras se encostam. Coisa minha, coisa de escritor-fantasioso-louco. E lembrando a loucura, confesso que estou no caminho certo dela...
     Se não é loucura, se não é rabisco-cortado-na-alma, não sei o que é. Me sabotei de tal modo que até cheguei a crer que havia conseguido, acredita? Cheguei a crer! Não consegui, realmente. Tá tão difícil de admitir isso, personagem-da-margem. Tá difícil. Bom, depois desse começo e desse meio-perturbado, ainda tem os detalhes. Detalhes que eu nem chego a crer que vivo ainda. Tanto, tanto tempo. Imenso tempo que passa na fuga da mornidão... Na fuga que cesso quando me escondo atrás da cortina pra te ver passar todos os dias. É como se eu me escondesse de mim, até. Sento ali, de canto, bem no canto mesmo, fecho um dos olhos, encosto a testa na batente da janela e observo. Passos lentos, contados. Nada mudou no seu aspecto físico. Acho que a barba está um pouco maior... Fiz isso todos os dias, personagem-marginal. Todos. E sabe o que é pior? É o que nós temos no fundo. Fundo, lá no fundo, eu sabia o quão babaca era fazer isso. Minha ficha sempre cai, os 5 segundos de lucidez ao final do cigarro, que saio sorrateiro e me jogo na cama. Aí acendo a luminária. É fim de tarde, coisa assim. Sempre no mesmo horário, com os passos contados. Uma coisa de gente louca que se esconde em minúcias. Eu e ele, diria. Tenho noção do quão bobo isso soa, personagem. Até perdi o fio da meada... Só não perdi a linha. Hoje, justo hoje, resolvi relatar. Relatar pra ti, que senta ao meu ombro e vê as besteiras de rapaz-em-fuga que cometo e dá risada ao pé do meu ouvido. Relatar, pra mim, que não adianta muito, afinal. Depois de tempo, tanto tempo, continuo indo até a janela...
     Essa vida de ausentar-se. Falando em ausência, mal consigo acabar o livro que o rapaz da barba me indicou. Algumas vezes sento perto da janela, um tanto antes dele seguir o caminho, e fico lendo-o ali. Aí sinto o mar no peito, mar na garganta, mar nos olhos... E abismo. Uma coisa rabiscada assim. Cortada assim. Mas é isso, personagem-da-margem. É isso. Eu nem sei o que fazer exatamente, mas manterei o meu mural. Depois de tanto tempo, resolvi botar o pulso em prática. Resolvi colar mais alguns rabiscos-da-alma na cabeceira da cama e escondê-los por trás das pestanas.